Grupo da Bahia vai à justiça por direito de produzir maconha
A Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab) entrou com um pedido de liminar na Justiça da Bahia pelo direito de pesquisar, cultivar e produzir o óleo de maconha para fins medicinais. A substância, o canabidiol, já é utilizada em diversos tratamentos neurológicos pelo mundo, mas, no Brasil, o acesso ao medicamento ainda esbarra em questões burocráticas e, principalmente, financeiras.
O pedido foi feito em nome de 50 pacientes que são associados à entidade. Dentre eles, portadores de Alzheimer, microcefalia, câncer, esclerose múltipla e epilepsia. Leandro Stelitano, presidente da associação, explica que era preciso estipular um número exato de pessoas beneficiadas para formular o pedido de liminar. “Mas temos mais de 300 pessoas interessadas”, diz.
Nicole, de dois anos e dois meses, é um dos 50 nomes que estão nas mãos da juíza Rosana Kaufmann, da 6ª Vara Federal da Justiça da Bahia, que julgará o caso. A menina é uma das diversas vítimas da epidemia de microcefalia que atingiu o Brasil há cerca de dois anos em decorrência do Zika Vírus. Por causa da doença, ela sofre recorrentes ataques epiléticos.
Como os medicamentos comuns não estavam surtindo grandes efeitos, a mãe de Nicole, Ingrid Graciliano, 27, passou a pesquisar outras formas de tratamento até chegar ao canabidiol. “Em 15 dias de tratamento já vi efeito”, conta. “Os ataques de epilepsia diminuíram consideravelmente. Antes do canabidiol, eram sete ou oito crises por dia. Hoje, ela tem um ou dois ataques, às vezes nenhum”. Ingrid conta que a filha toma o canabidiol juntamente com outros quatro medicamentos. “Só depois de aliar o canabidiol aos demais remédios é que eu pude ver a melhora”, diz.
Para chegar a esses resultados, porém, Ingrid percorreu um longo caminho. “Fui buscar em documentários e textos as informações sobre o tratamento com canabidiol”, conta a mãe, que vive em Salvador. Depois, teve de convencer a pediatra de Nicole a prescrever o medicamento. Terminado o trâmite burocrático requerido pela Anvisa (leia mais abaixo), precisou de 5.000 reais para importar dois frascos do remédio, já que a substância não é produzida no Brasil. Nicole usa um frasco por mês, mas toma o remédio juntamente com outros quatro medicamentos.
A dificuldade, tanto burocrática, quanto financeira de Ingrid se repete em diversas outras famílias e pacientes que precisam do canabidiol para auxiliar e tratar de enfermidades neurológicas. “A lei brasileira hoje é pela metade”, diz Leandro Stelitano. “Você só pode importar o produto, não pode produzir”. Ele afirma que um frasco de 30 ml do canabidiol custa em média 1.500 reais. “A nossa previsão é que o frasco produzido aqui no Brasil custe de 180 a 200 reais, mas o valor tende a diminuir conforme mais gente esteja autorizada a compra-lo”, explica.
Apoiado na jurisprudência, Stelitano se diz otimista com o resultado do julgamento, que ainda não tem data marcada para acontecer. No ano passado, a Associação Brasileira de Apoio Cannabes Esperança (Abrace), de João Pessoa, conseguiu na Justiça da Paraíba o direito de produzir o óleo da maconha para fins medicinais. A Abrace é a primeira e única entidade, até o momento, que produz e comercializa a substância no Brasil.
Cassiano Teixeira, diretor-executivo e fundador da entidade, explica que a briga começou em 2014. Com um irmão epilético desde os 15 anos, ele se juntou a outros familiares para importar o canabidiol. Na época, a substância era proibida no Brasil, sendo liberada para a importação pela Anvisa somente em 2015. Mas naquele mesmo ano, o dólar passou de quatro reais, fazendo com que o acesso, ainda que liberado, fosse dificultado. “Naquele momento, éramos em mais de 120 famílias importando”, conta ele. “Surgiu então a ideia de a gente lutar para produzir aqui”.
Ele afirma que passou então a produzir ilegalmente a substância, na cozinha de casa. “Eu me adiantei”, diz. “Quando chegamos na Justiça, em 2016, já tínhamos feito o rótulo, receita para o óleo, ponto fixo e CNPJ da associação”, conta. “A gente vinha se arriscando ilegalmente. Mas quando fomos à Justiça, pedimos pelo direito de continuar a fazer o que já estávamos fazendo, e ela concedeu”.
Hoje, Teixeira conta que a entidade tem uma “fazendinha” em João Pessoa, com 14 funcionários, onde é possível, desde que com receita e laudo médico, comprar o medicamento. Ele afirma que somente em janeiro deste ano atenderam 700 pessoas. “Mas nosso plano é chegar no ano que vem atendendo a 10.000 pessoas”, diz. Para isso, iniciarão a produção em Campina Grande, onde, segundo Teixeira, o clima é mais propício para o plantio da maconha. “O clima em João Pessoa é quente e úmido, enquanto Campina Grande é o oposto: frio e seco, perfeito para o plantio”. Ele diz que a entidade cobra 1 real por miligrama do óleo.
No campo da pesquisa e acessibilidade do canabidiol, o Nordeste tem estado à frente do restante do país. No final do ano passado, o governo do Piauí anunciou o investimento de um milhão de reais para os estudos do canabidiol. O trabalho será desenvolvido em parceria entre a Universidade Federal do Piauí (UFPI), a Universidade Estadual do Piauí (Uespi), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (Fapepi), a Secretaria Estadual de Saúde e o Centro Integrado de Reabilitação.
Para importar o Canabidiol
Atualmente, para importar o medicamento, é preciso que o paciente ou familiar primeiro preencha um formulário que pode ser encontrado no site da Anvisa, que requer dados pessoais e do médico que fará a prescrição. É preciso um laudo médico com a justificativa para a utilização do medicamento e uma prescrição do produto contendo a posologia, quantidade necessária e tempo de tratamento. Além disso, é preciso preencher uma declaração de "responsabilidade e esclarecimento". A autorização tem validade de um ano. Todas as informações podem ser encontradas no site da Anvisa.
Embora o Conselho Federal de Medicina aprove o uso do canabidiol “para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos convencionais”, o uso do medicamento ainda encontra muita resistência mesmo entre familiares dos pacientes. É o que conta Ingrid Graciliano, mãe de Nicole e também presidente da Associação de Pais de Anjos da Bahia (Apab), que luta por melhores condições de tratamento para as vítimas do Zika Vírus na Bahia.
“Existe bastante resistência [ao remédio] entre os pais”, conta ela. “Inclusive o pai da minha filha é contra, porque vem da maconha e por isso ele acha que vai dopar a criança”, afirma. “O que dopa é o THC, é a falta de informação, a ignorância e a cultura nossa de marginalizar a maconha”. Corretora de imóveis, ela afirma trabalhar apenas meio período, para poder se dedicar mais aos cuidados da filha. O remédio importado, além de ser caro, dificulta o fechamento das contas da casa de Ingrid. “O pai da Nicole não ajuda com as contas, então eu tenho que me virar sozinha”
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