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Moradores de periferia de SP criam a Ubra para bairro vetado pelo Uber


Criadores de serviço alternativo na Brasilândia veem papel social em iniciativa e diz que 'não é qualquer um que sabe andar no morro'; Uber diz que não oferece serviço a algumas regiões de SP por questões de segurança.
s estreitas, ladeiras e algumas vias de terra. "Ninguém quer subir o morro.
 Nem a Uber para ganhar dinheiro", conta Henrique Deloste, líder comunitário da Brasilândia, 
distrito da periferia da zona norte de São Paulo.
A gigante dona do popular aplicativo "que liga motoristas a passageiros" 
vetou o acesso a diversas regiões de São Paulo. É o caso de Brasilândia e das 
favelas de 
Paraisópolis e Heliópolis, as duas maiores da cidade - localizadas na zona sul.
Quem tenta pedir um carro num desses bairros vê o recado saltar na tela:
 "Infelizmente, a Uber não está disponível na sua área no momento". A empresa 
informou que 
isso ocorre nas regiões "com desafios de segurança pública".

Mas a grande demanda de passageiros no extremo norte da capital inspirou o 
tatuador Emerson Lima, de 40 anos, e o motorista Alvimar da Silva, de 48, a criar a
 Ubra 
(União da Brasilândia). Mas, ao contrário da gigante americana com sede na Califórnia 
(EUA), a estrutura criada pela dupla é bem mais simples.
Uma folha de madeirite divide o salão mal iluminado. Duas cadeiras, mesa e
 um sofá compõem a sala de espera dos motoristas. Um celular com WhatsApp e 
um telefone fixo fazem às vezes de central telefônica. E tudo funciona.
"Ubra, boa tarde. Barra Funda? Vou calcular aqui e te aviso", diz Emerson a 
uma clientes que liga perguntando o valor de uma corrida do seu trabalho, 
na Barra Funda, 
até o Elisa Maria, bairro da Brasilândia.

"Vai ficar R$ 35 e o motorista chega em uma hora", comunica Emerson. 
Mas a cliente desiste da viagem por considerar que o tempo de espera era muito longo. 
"Relaxa, quando ela chegar aqui perto vai ligar de novo porque ninguém sobe 
a nossa quebrada",
 diz um dos motoristas na espera.
A Ubra foi criada há 20 dias. Hoje, já são seis motoristas e a intenção é ampliar a 
frota nas próximas semanas. "A demanda está muito grande e a gente já está 
perdendo 
corrida. A área tem uma carência grave de transporte, principalmente à noite",
 afirma Emerson enquanto atende outro cliente pelo celular.
A prefeitura informou que soube recentemente sobre o serviço prestado pela Ubra
. A Secretaria Municipal de Transportes informou em nota que "tem interesse em
 aumentar o número de empresas que operam na cidade, sobretudo em locais onde
 o sistema
 viário ainda é pouco aproveitado pelo transporte individual de passageiros".
Por outro lado, a administração municipal afirmou que a empresa ainda não foi 
credenciada no Conselho Municipal de Uso do Viário (CMUV) e não pode 
transportar passageiros. 
A pasta alertou que, desta forma, a "empresa e os motoristas estarão sujeitos à 
fiscalização e às sanções cabíveis, que incluem apreensão dos veículos e multa."

Demanda noturna e função social

Os criadores da Ubra afirmam que já têm 40 clientes fiéis, que são levados com 
frequência para fazer compras e até mesmo para consultas médicas. Mas é durante a 
madrugada que os moradores entrevistados pela BBC Brasil dizem que a Ubra faz a diferença.
A operadora de caixa Aline Alves de Souza, de 27 anos, é uma das mulheres que 
moram na Brasilândia e, graças à Ubra, não tem mais medo de voltar de festas na madrugada.
"Quando vou para a balada, fecho com a Ubra a ida e a volta por R$ 40. Esses dias, 
minha filha também passou mal de madrugada e eles me levaram e buscaram muito rápido", afirmou.
Os criadores da empresa dizem que cobram preço semelhante ao de seu concorrente. Cada quilômetro rodado custa R$ 2 contra cerca de R$ 1,80 da Uber - que ainda cobra uma taxa municipal. Eles aceitam dinheiro e cartões de débito e crédito.
Enquanto a Uber tem um sistema automatizado, o preço das corridas da Ubra é 
calculado apenas pela distância medida no site do Google Maps. Mas nem sempre os motoristas cobram o preço cheio.
"Nós temos um papel a cumprir na quebrada. É um trabalho social, não é só cobrar o (preço) que deu. Eu levo mulher em presídio, transporto deficiente físico e idoso 
para fazer consulta. Muitas vezes, cobro menos. Algumas, eu ainda espero para
 levar o cliente 
de volta sem cobrar o tempo parado", conta Alvimar da Silva, co-fundador da Ubra, 
que também atua como motorista.

Escola Uber

Hoje empresário e concorrente, Alvimar define como uma escola o período de 
oito meses em que trabalhou no Uber.
"Oferecemos um serviço de qualidade para fidelizar os passageiros. Só permitimos 
carros em ótimas condições e com ar condicionado. Além disso, os motoristas são
 todos de confiança. Só nossos amigos do bairro", relata.

A própria Uber vê com bons olhos a chegada da pequena concorrente. 
"Novos serviços são ótimos para consumidores e para as cidades. Competição 
encoraja uma melhora constante de qualidade", disse a empresa em comunicado 
à BBC Brasil.
A dupla que administra o novo negócio não tem uma assessoria de comunicação,
 mas seu discurso é bem parecido ao usado pelos porta-vozes da gigante californiana quando chegou ao Brasil.
"Queremos legalizar o nosso serviço para trabalhar conforme a lei, pagar todos os impostos. Eu já tenho um advogado vendo toda essa papelada. A Brasilândia tem 
400 mil habitantes e eu tenho certeza que eles (prefeitura) não vão permitir que um 
trabalho social tão importante como esse seja encerrado", diz Emerson Lima.

Guia para motoristas

A dupla de empresários diz que não tem medo de que surjam concorrentes na região. 
E até fala que empresários de fora não se dariam bem caso tentassem fazer o
 trabalho no bairro sem a ajuda dos moradores.
"Não é qualquer um que sabe andar no morro. Nossos motoristas usam carro prata 
para não chamar a atenção e andam com o vidro abaixado. Em alguns pontos, eles 
são orientados a tirar o cinto de segurança, colocar o cotovelo para fora da janela e
 fazer 
cara de mau. Tudo o que a gente aprendeu na quebrada", relata Emerson.
Além de atender os telefonemas, ele é responsável pela divulgação do novo serviço no bairro. "Eu já distribuí mais de 5 mil panfletos. Eu levei em todos os lugares onde 
a Uber não chega: bar, escola de samba, oficina mecânica e até fluxo de baile funk",
 conta.

Outros bairros

O empresário Alvimar diz que o crescimento de seu negócio deve inspirar moradores 
de outras regiões a fazer o mesmo. Mas ele diz que não quer operar em outros bairros.
"É cada um na sua área. Eu tenho certeza que essa modalidade vai expandir. 
Eu posso até orientar, mas eu não vou me meter em lugares que eu não conheço", 
afirma 
o fundador da Ubra.
Ele diz que também vai limitar o número de motoristas da empresa para manter a qualidade. Alvimar ainda diz ter certeza de que o serviço não será barrado pela 
prefeitura e que, se isso ocorrer, pode haver reação dos moradores da região.
"Tenho certeza que a população vai para as ruas. Porque nós estamos fazendo o bem
 para pessoas que estão esquecidas. Se a Uber e os taxistas subissem o morro, 
eu nunca

 teria feito isso porque não teria mercado", afirmou Alvimar.

Para o fundador da empresa, a criação de um serviço de transporte para atender 
algumas áreas específicas da periferia representa o descaso na região. "Aqui é assim. Nem 
TV a cabo chega, e por isso todo mundo faz gato (clandestino). Se a gente não fizer 
com 
nossas próprias mãos, ninguém faz pela gente."

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